A prestigiada agência de publicidade DM9 está no centro de uma crise reputacional após ser acusada de manipular digitalmente o videocase de uma campanha criada para a marca Consul, da Whirlpool, que venceu prêmios importantes no Festival Cannes Lions 2025 — incluindo o Grand Prix na categoria Creative Data.
O caso ganhou destaque após revelações de que o videocase submetido aos jurados da premiação apresentava conteúdos alterados, incluindo uma suposta reportagem da CNN Brasil que nunca existiu como foi apresentada, e trechos manipulados de uma palestra do TED Talks. A DM9 reconheceu o erro, pediu desculpas públicas e afirmou que criará um Comitê de Ética em Inteligência Artificial para orientar o uso responsável da tecnologia no ambiente criativo.
Trechos forjados no vídeo apresentado a Cannes
O videocase da campanha “Efficient Way to Pay”, que promove a aquisição de eletrodomésticos eficientes pela economia na conta de luz, incluía uma reportagem narrada por Gloria Vanique, da CNN Brasil, com uma legenda alterada digitalmente para simular maior repercussão. A narração original foi substituída por uma voz similar à da jornalista, levantando questionamentos sobre autenticidade e uso indevido de imagem.
Consul emite nota firme e repudia qualquer tipo de manipulação ou desinformação
Em comunicado oficial enviado ao CidadeMarketing, a marca declarou:
“A Consul reitera que não tolera a manipulação, o uso ou a disseminação de informações falsas. Respeitando os trâmites legais, a marca informa que está tomando as medidas cabíveis junto aos envolvidos. Reafirmamos nosso compromisso com a ética, a transparência e a confiança de consumidores e parceiros.”
A agência publicou um extenso comunicado assumindo total responsabilidade pelo ocorrido. O copresidente e CCO, Ícaro Doria, assumiu pessoalmente o erro e anunciou medidas internas para prevenir novos episódios. Entre elas, estão o reforço de rotinas de segurança nos processos de submissão de cases, revisão do Código de Conduta da agência e a criação de um comitê multidisciplinar sobre ética na inteligência artificial.
“Queremos ampliar as discussões com todos os agentes do setor, contribuindo para que o uso da IA esteja sempre alinhado aos princípios da verdade, do respeito e dos direitos de imagem. Este episódio reafirma nossa convicção de que o sucesso não é apenas resultado de talento e criatividade, mas também reflexo da forma como trabalhamos, com ética e integridade — valores inegociáveis para a DM9”, afirmou Pipo Calazans, copresidente da agência.
Leia, na íntegra, o comunicado oficial da DM9 sobre o caso:
“Na semana passada, diante de questionamentos em meio ao Cannes Lions 2025, acionamos imediatamente nosso time de criativos e nos mobilizamos para apurar os fatos com transparência e responsabilidade. Constatamos que houve uma série de falhas na produção e no envio do videocase que acompanha um dos nossos cases premiados no festival. Por essa situação, queremos deixar, desde já, registrado o nosso pedido de desculpas.
Tão logo concluímos a apuração, priorizamos o diálogo transparente com nossos colaboradores e clientes – em especial a Consul, marca pela qual temos profundo respeito, e que não teve qualquer relação com as falhas –, além dos demais envolvidos. Icaro Doria, como Copresidente e CCO, assume total responsabilidade pelo fato.
Estamos tomando as medidas necessárias e proporcionais, entre elas o aprimoramento das nossas rotinas, o reforço da segurança nos processos da agência e o fortalecimento das diretrizes do nosso Código de Conduta, documento que orienta comportamentos em diversas frentes e expressa nosso compromisso com os mais elevados padrões éticos.
Além disso, vamos instituir um Comitê de Ética em Inteligência Artificial, com a participação de membros externos e independentes de diferentes segmentos, para estabelecer diretrizes, promover debates e fomentar o uso responsável dessa tecnologia. Queremos ampliar ainda mais as discussões com todos os agentes do setor, contribuindo para que o uso da IA esteja sempre alinhado aos princípios da verdade, do respeito e dos direitos de imagem.
Para nós, este episódio reforça não apenas a importância de aprofundar a discussão sobre a aplicação de novas tecnologias, como o uso de IA na indústria publicitária, mas, sobretudo, reafirma nossa convicção de que o sucesso não é apenas resultado de talento e criatividade, mas também é reflexo da forma como trabalhamos e interagimos, com um sólido compromisso com a ética e a integridade. Valores inegociáveis para mim e para centenas de pessoas da DM9.
Pipo Calazans
Copresidente DM9″
Após a repercussão negativa, os vídeos da campanha “Efficient Way to Pay” foram removidos do YouTube ou passaram a ser exibidos em modo privado. Portais internacionais especializados em publicidade, propaganda e marketing repercutem o caso e informam que a premiação está sob investigação. O site internacional Ads of the World apresenta a campanha “Efficient Way to Pay” como um case de estudo, incluindo os créditos de toda a equipe envolvida no projeto.
A reportagem original da CNN Brasil foi exibida em 2021 com o título “Aumenta a procura por eletrodomésticos mais econômicos”.
Este caso, que abalou a credibilidade de uma das maiores agências de publicidade do país e gerou reação imediata de uma marca com mais de 70 anos como a Consul, levanta uma questão essencial para o setor: nenhuma campanha deveria nascer apenas para ganhar um prêmio.
Uma reflexão importante que emerge desse episódio é sobre os processos internos na indústria da comunicação. Como uma peça publicitária, que utilizou conteúdos manipulados, conseguiu ser planejada, produzida e aprovada por diversas instâncias dentro da DM9 — incluindo áreas de criação, estratégia e compliance — e ainda recebeu o aval da equipe da Consul, uma marca consolidada no mercado? O caso levanta questionamentos sobre as práticas de validação de campanhas, os limites éticos no uso de tecnologias como a inteligência artificial e a responsabilidade compartilhada entre agências e anunciantes na construção de narrativas publicitárias alinhadas à verdade.
A comunicação deve ser concebida para transformar negócios, impactar pessoas e contribuir com a sociedade — e não como uma ferramenta de vaidade apenas para premiações. Que este episódio seja mais do que uma indignação passageira. Que ele nos convide à reflexão profunda sobre a real finalidade da comunicação e sobre a importância de verdade, ética e propósito em cada ideia que colocamos no mundo. Comunicar não é apenas conquistar aplausos, é provocar mudanças.