A Chevrolet, que em 2025 completou 100 anos de atuação no Brasil, enfrenta atualmente um dos maiores desafios de sua trajetória recente: a gestão de crise relacionada à tecnologia de correia banhada a óleo, presente em alguns dos principais modelos da marca.
A estratégia da montadora para desenvolver motores com correia imersa em óleo tem como proposta reduzir atrito, melhorar a eficiência do motor e diminuir o consumo de combustível. O componente, ao receber lubrificação direta do óleo do motor, seria mais durável e eficiente em comparação às correias tradicionais.
Os motores da família CSS Prime, equipados com essa tecnologia, estão presentes em:
Chevrolet Onix (a partir de 2020)
Chevrolet Onix Plus (a partir de 2020)
Chevrolet Tracker (a partir de 2020)
Chevrolet Montana (a partir de 2023)
As versões incluem os motores 1.0, 1.0 turbo e 1.2 turbo de 3 cilindros.
Apesar da proposta inovadora, relatos de consumidores se multiplicam em redes sociais e plataformas de reclamação, como o ReclameAqui. Entre os principais problemas apontados estão: desgaste prematuro da correia, rompimento inesperado, alto custo de manutenção e constância na troca. Há ainda casos mais graves em que a desintegração da correia libera resíduos de borracha que circulam pelo sistema de lubrificação, obstruindo os dutos de óleo e comprometendo componentes vitais do motor. Entre os efeitos mais críticos e perigosos estão o entupimento da bomba de vácuo e falhas no sistema de freios.
Diversos proprietários afirmam ter sofrido danos ao motor mesmo seguindo as revisões em concessionárias autorizadas e utilizando o óleo específico, recomendado pela montadora. Esse cenário gera insegurança e preocupação em relação à durabilidade do veículo. Diante de vários questionamentos, a Chevrolet tem utilizado seus canais digitais para se posicionar. No caso do Onix, por exemplo, a marca informa que a correia banhada a óleo possui garantia diferenciada, de até 240 mil km ou 15 anos, desde que todas as revisões sejam realizadas dentro do prazo — mesmo após o término da garantia padrão do veículo (36 meses ou 100 mil km).
Entretanto, proprietários de outros modelos equipados com os mesmos motores, como o Tracker, questionam por que não recebem o mesmo tipo de cobertura, já que enfrentam ou podem enfrentar problemas semelhantes.
Um cliente da Chevrolet Tracker questionou a decisão da montadora de oferecer reativação de garantia apenas para o Onix. “Gostaria de expor minha indignação referente ao programa que a Chevrolet lançou para reativação da garantia da correia banhada a óleo do Onix! GM, por que essa campanha não foi estendida para os carros do modelo Tracker? Até onde eu sei, a motorização do Onix e do Tracker é exatamente a mesma. Eu, como proprietário de um Tracker 2021 adquirido zero km, solicito que a GM estenda também essa campanha para o Tracker, já que temos relatos do mesmo problema de deterioração da correia banhada a óleo.”
No Instagram, a Chevrolet buscou reforçar a confiança dos consumidores ao destacar que o novo modelo de correia recebeu avanços significativos, incluindo borracha sintética nitrílica hidrogenada, revestimento em teflon e reforço em fibra de vidro. De acordo com a montadora, a atualização tem caráter preventivo, considerando a presença de óleos fora de especificação disponíveis no mercado.

Durante o lançamento do Onix 2026, já equipado com a versão mais recente da correia, a Chevrolet reuniu influenciadores digitais e veículos especializados para apresentar as melhorias do componente e tranquilizar os consumidores quanto à durabilidade e segurança.
A marca também utilizou suas redes sociais para defender a tecnologia aplicada à nova geração do item. “Essa correia oferece excelente desempenho, baixa emissão e integra um dos motores mais avançados da categoria. Destacamos ainda que sua formulação química está mais resistente a contaminantes presentes em óleos de baixa qualidade ou fora da especificação. O componente é produzido com borracha sintética nitrílica hidrogenada, revestimento em teflon e reforço em fibra de vidro”, afirmou a Chevrolet em resposta a questionamentos de clientes no Instagram da marca.
Apesar da explicação, alguns clientes se mostraram insatisfeitos. “Só observando vocês fazendo propaganda da ‘nova e mais reforçada’ correia dentada e nada de convocar os proprietários dos modelos anteriores para fazerem a troca por essa nova correia”, questionou Rhuan Oliveira em uma postagem.
Para alguns consumidores, a mudança confirma que o projeto inicial tinha falhas. Para outros, reforça uma tentativa da montadora de condicionar os clientes a permanecerem nas concessionárias, onde os serviços costumam ter custos mais elevados. Há também quem veja segurança em continuar fazendo revisões dentro da rede autorizada, acreditando estar protegido por garantia estendida em caso de falhas graves. Por outro lado, alguns proprietários de veículos da marca defendem que a Chevrolet substitua todas as correias antigas pelo novo componente, por meio de um recall oficial.
No ReclameAqui, um consumidor de Florianópolis foi além e sugeriu um recall oficial:
“A GM, ao ter conhecimento da relação entre a desintegração da correia e o endurecimento do pedal de freio, e ao reconhecer a existência de óleos de má qualidade no mercado, possui a obrigação legal de agir de forma proativa. O simples fato de a nova correia ser projetada para resistir a óleos de baixa qualidade serve como evidência do conhecimento prévio da montadora sobre a vulnerabilidade da correia anterior. Embora um recall voluntário gere custos imediatos, o custo financeiro e reputacional de ações judiciais coletivas, intervenção de órgãos como o Procon e multas regulatórias pode ser significativamente maior a longo prazo. Um recall é um reconhecimento público de uma falha, mas também demonstra compromisso com a segurança do cliente.”
Apesar das críticas registradas pelos consumidores no ReclameAqui, a marca mantém uma reputação elevada na plataforma, com nota geral de 7,6/10, classificada como boa, e 8,7/10 nos últimos 12 meses, considerada excelente.
A durabilidade da correia banhada a óleo está diretamente relacionada ao uso do lubrificante adequado ACDelco Dexos 1GEN3, a uma manutenção criteriosa e preventiva. No caso da Chevrolet, esse cuidado deve ser realizado exclusivamente na rede de concessionárias autorizadas, garantindo não apenas a confiabilidade do motor, mas também a rastreabilidade do histórico de revisões do proprietário.
“Destacamos que o cumprimento do plano de manutenção é obrigatório. A ausência de revisões dentro dos prazos estipulados ou a realização em oficinas não autorizadas resultará na perda definitiva da cobertura da correia, sem possibilidade de reativação. Além disso, caso seja constatado que o sistema da correia ou componentes relacionados foram manipulados ou afetados por serviços realizados fora da rede autorizada, a garantia também será encerrada”, esclareceu a Chevrolet em comunicado direcionado aos proprietários dos modelos Onix e Onix Plus.
O CidadeMarketing entrou em contato com a Chevrolet para esclarecer os fatos e solicitou informações sobre pontos importantes, como: a tecnologia do motor com correia banhada a óleo, a nova correia disponível para os veículos 2026, a campanha de pós-venda para o Onix e a possibilidade de recall voluntário.
Em resposta, a marca afirmou: “A correia banhada a óleo é uma tecnologia que traz vantagens em relação a outros sistemas de sincronismo do motor, como o menor consumo de combustível, menor nível de ruído e de vibração. Tanto que o Onix é o recordista de baixo consumo entre os carros a combustão pelo Inmetro. Além deste produto, Tracker e Montana utilizam o recurso no linha Chevrolet no Brasil. Nos modelos 2026, em linha com nossa política de evolução contínua, os produtos passaram por atualizações mecânicas e de software que inclui uma nova formulação química da correia, ainda mais resistente a contaminantes presentes em óleos de baixa qualidade, com a mesma garantia de 240 mil quilômetros do componente quando seguido o plano de troca de óleo e filtro do veículo estipulado no manual. Já para aqueles consumidores que desconhecem o histórico de manutenção do automóvel usado ou desejam reativar a garantia, a empresa oferece um serviço de inspeção do sistema de correia na rede de concessionárias.”
O CidadeMarketing conversou com o advogado especialista em relações de consumo, Dr. Cadu Silva, que nos explicou o seguinte: Se a correia “banhada a óleo” falhar antes do previsto, com manutenção em dia, o que o consumidor pode exigir? Sim. Em bem durável, o fabricante responde objetivamente por vício/defeito (CDC arts. 12 e 18), e a garantia legal independe de termo e abrange vício oculto (arts. 24 e 26, §3º). Assim, o proprietário pode exigir substituição gratuita da peça, reparo integral do motor e sistemas afetados e ressarcimento de despesas; havendo dano, cabe indenização também pelo CC arts. 186 e 927. Sobre perda definitiva da cobertura por revisão fora da rede é válida? Tende a ser abusiva quando automática e sem prova de nexo causal. A garantia contratual complementa a legal, não a restringe (CDC art. 50), e são nulas cláusulas que limitem direitos ou exonerem responsabilidade (art. 51, I, II e §1º); condicionar a cobertura à rede própria pode equivaler à venda casada (art. 39, I). Só se legitima negar quando demonstrado que o serviço externo causou o defeito; manutenção correta, com peças e óleo especificados, não extingue a garantia legal.
O episódio coloca a Chevrolet diante de um delicado equilíbrio entre inovação tecnológica e confiança do consumidor. Se, de um lado, a promessa de eficiência e durabilidade é um diferencial competitivo, do outro, a recorrência de problemas técnicos pressiona a marca a adotar medidas mais contundentes de acolhimento e transparência.
A gestão de crise em torno da correia banhada a óleo pode se tornar um caso emblemático para o setor automotivo brasileiro — e um teste real para a marca centenária no Brasil quanto à qualidade e confiança da Chevrolet.