Uma das coisas que mais gosto da minha profissão é o fato de estudar e atuar tanto no marketing/branding comercial quanto no político. Embora similares em certos aspectos, eles se mostram antagônicos e incongruentes em diversos outros. Há técnicas de análise completamente diferentes. E os marinheiros de primeira viagem que se aventuram em um ou em outro setor tendem a fracassar.
O marketing não é uma ciência exata. Um bom exemplo de peculiaridade: nenhuma campanha, nenhuma marca política, nenhum projeto de marketing político será vencedor se estiver dissociado daquilo que definimos como princípio de realidade. De acordo com o professor e diretor da Fundação Escola de Sociologia de Política de São Paulo, Aldo Fornazieri, em entrevista que concedemos juntos para o jornal O Globo (10/08/2010), ” … uma campanha se insere sempre num contexto histórico e em uma conjuntura política. Existem duas tipologias de conjunturas: a da conservação (continuidade) e a da mudança. A conjuntura na qual, por exemplo, o hoje presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disputou as eleições de 2008 era de mudança: fracasso do governo George W. Bush, crise econômica, subprime e crise hipotecária, desaprovação da guerra do Iraque e baixíssima avaliação do então governo. Enfim, um cenário que possibilitava a concentração de todas as atenções na palavra mudança (change).”
Os estrategistas de Obama perceberam o desejo dos eleitores norte-americanos e foram muito felizes e competentes na escolha. Existem ainda outros percalços que tornam o marketing atraente, como o conceito da imprevisibilidade, raison d’être, inimigo único, orquestração, entre tantos outros exemplos.
Uma questão que particularmente me fascina entre as duas áreas é o trabalho de arquétipos para o fortalecimento e consolidação de marcas. Sabemos que, alinhando uma imagem arquetípica com as marcas, obteremos uma identificação mais profunda com o público. Além disso, a criação de personas, define o comportamento e personalidade da marca. Olhando para as marcas corporativas/comerciais, Carol Pearson e Margaret Mark escreveram um livro seminal chamado “O Herói e o Fora da Lei” (2001). De acordo com as autoras, com apoio da teoria de Caril Jung, há 12 forças a serem trabalhadas: Herói, Mágico, Fora da Lei, Explorador, Inocente, Governante, Bobo da Corte, Sábio, Amante, Criador, Prestativo e Cara Comum.
O Governante é aquele que exerce controle, organiza a vida das pessoas. Indivíduo responsável que quer poder e liderança. Exemplos: American Express e Microsoft.
O Fora da Lei quebra as regras e desafia o status quo. Quer ser temido e cria seu próprio caminho. Muitas vezes visto como desajustado. Harley- Davidson?
O Herói é aquele que age corajosamente, se supera e luta. Orgulhosamente disciplinado. Marcas que oferecem produtos ligados à performance exploram este arquétipo. Nike é o melhor exemplo.
O Sábio é aquele que entende o caminho correto a seguir. Ele é o guru. Busca a verdade para se libertar e orientar. Exemplo: Albert Einstein e Ibope.
O Bobo da Corte quer ser aceito como ele é. Ele se diverte e vive o momento. Traz descontração e não leva a vida a ferro e fogo. Exemplo: Miller Lite.
O Criador quer desenvolver algo novo que perdure. Seu maior medo é criar coisas pífias e medíocres. Está compelido a inovar! Todas as pessoas possuem uma forma de expressão por meio da criatividade, exposta por meio de atividades como, por exemplo, as artes. Os produtos do Criador tendem a ajudar às pessoas em tais afazeres. Disney e Ikea.
O Mago é aquele que transforma e que altera. Seu maior medo são as consequências negativas e inesperadas de suas criações. O arquétipo do Mago personifica a sabedoria mágica para entender os mistérios que gerem pessoas e o universo. Aqui entra o exemplo das igrejas evangélicas pentecostais.
O Prestativo é aquele que quer ajudar aos outros. Altruísta por natureza. Generoso. Seu maior medo é a instabilidade e a dificuldade que os menos afortunados podem sofrer. O arquétipo do Prestativo é percebido em praticamente quaisquer atividades relacionadas à prestação de serviços. Buscapé e Amazon estão neste perfil.
O Amante quer conectar-se aos outros por meio da sensualidade. Sua maior aptidão é a paixão. Marcas que utilizam este arquétipo adotam a estratégia de culto ao belo, à sensualidade e ao erótico. Marcas do mercado da moda e estética se adequam bem a esse universo. Coco Chanel.
O Explorador (também chamado de Peregrino) tem como exemplos marcas como Virgin e Starbucks. É inquieto e independente, quer viajar, descobrir algo novo, seguir sua própria e solitária jornada, ir aonde ninguém foi. Vive em movimento.
O Cara Comum (cerveja Brahma) possui sentimentos tranquilos e democráticos, associando-se a vários segmentos da sociedade. Não gosta de expressar sua opinião para manter o perfil na multidão. Não procura o destaque. Seu maior medo é a rejeição.
O Inocente quer viver livre em um espaço lúdico. Ele quer estar no paraíso e seu maior medo é ser punido por alguma coisa errada. Esse arquétipo quer adequar sua vida a algo mais simples e cheio de esperança. Foge de rótulos. As marcas que trabalham este arquétipo utilizam conceitos de bondade simplicidade e pureza, sonham em retomar uma vida lúdica e quase infantil. Exemplo: Johnson e Johnson.
Em outra perspectiva, Roger-Gérard Schwartzenberg escreveu “O Estado Espetáculo” (1977). Há quatro arquétipos que podem definir um político. São eles: herói, homem simples, pai e o líder-charme. Fernando Collor de Mello surgiu em um momento que o Brasil passava por alta inflação (entre outras mazelas). Com o codinome de “caçador de marajás” e personalidade audaciosa, prometeu passar a limpo o país e alavancá-lo para a prosperidade. O arquétipo deste político era do herói. Bem, o resto você já sabe…
Luiz Inácio Lula da Silva: emergiu das massas e chegou ao poder (homem simples). Getúlio Vargas, quem consolidou as leis trabalhistas e todo dia pela manhã falava ao povo pelo rádio – “trabalhadores do Brasil”. Este era o pai. Passava a ideia de protetor e ‘cuidador’.
O líder-charme é aquele que, com sua presença, beleza e carisma, consegue despertar encantamento e persuasão. Juscelino Kubitschek.
Mas o que se pode tirar de toda esta explanação? Primeiro, como foi dito, o marketing é feito de realidade. E mais do que isso. É dirigido a pessoas com ansiedades e sentimentos. E cabe a cada marca, de acordo com sua missão, saber definir qual melhor arquétipo a ser adotado para atingir seu público, garantindo identidade e fortalecimento. E aí estão incluídas as “marcas” de políticos. Sem esta definição, seremos cavaleiros como Dom Quixote de La Mancha, lutando uma batalha irreal e sem sucesso.
Ps: Este artigo não representa absolutamente nenhuma preferência ou ideologia política, trazendo meramente a ótica do marketing para reflexão.