Os recentes casos de intoxicação e mortes provocadas por bebidas adulteradas com metanol no Brasil voltaram a acender um alerta sobre a falsificação de bebidas alcoólicas e os riscos do consumo de produtos ilegais. O problema tem chamado atenção de autoridades sanitárias e do setor produtivo, levantando discussões sobre segurança, rastreabilidade e descarte correto das garrafas de vidro.
Um dos principais pontos críticos apontados por especialistas está na logística reversa das embalagens. As garrafas de vidro, classificadas como de “uso único”, não deveriam retornar ao mercado após o consumo. O correto seria que fabricantes, bares e restaurantes quebrassem as garrafas e as encaminhassem para reciclagem, evitando que recipientes originais sejam reutilizados por falsificadores. A prática irregular de reaproveitamento dessas embalagens facilita a adulteração e dificulta o rastreamento de bebidas ilegais.
O CidadeMarketing entrou em contato com grandes fabricantes de bebidas alcoólicas no país para entender como o setor está lidando com os casos de adulteração, quais medidas de controle e identificação estão sendo aplicadas e como estão tratando a questão da logística reversa das garrafas.
Ambev: “crise com metanol não envolve cerveja”
A Ambev, responsável por marcas como Stella Artois, Original, Magnífica, Colorado, Patagonia, Corona, Budweiser, Brahma, Skol, Spaten, entre outras, afirmou ao CidadeMarketing que “a crise com metanol não envolve cerveja e que não possui nenhuma declaração a fazer sobre o tema.”
De acordo com informações divulgadas pela imprensa, a quantidade de metanol produzida naturalmente durante o processo de fermentação da cerveja é ínfima e não representa risco à saúde. O próprio Ministério da Saúde reforça que a cerveja — bebida alcoólica mais consumida no país — apresenta risco muito menor de contaminação por metanol em comparação aos destilados.
Diageo: posicionamentos via associações do setor
A Diageo, empresa multinacional que detém marcas de reconhecimento mundial como Johnnie Walker, Tanqueray, Smirnoff, Baileys, Ciroc, Don Julio, Guinness e Captain Morgan, informou ao CidadeMarketing que seus posicionamentos oficiais são conduzidos por meio das associações representativas do setor, como a ABRABE (Associação Brasileira de Bebidas) e a ABBD (Associação Brasileira de Bebidas Destiladas).
ABBD: combate ao mercado ilegal e orientação ao consumidor
Em nota enviada ao CidadeMarketing, a ABBD — Associação Brasileira de Bebidas Destiladas enfatizou que é essencial distinguir o setor produtivo formal do mercado ilegal.
“O avanço do mercado ilegal de bebidas alcoólicas no Brasil representa uma ameaça grave à saúde pública, fragiliza a arrecadação tributária e alimenta a cadeia do crime organizado. A ABBD atua com transparência”, destacou a entidade.
A ABBD, em parceria com a ABRABE e a ABRASEL (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), tem promovido uma ampla campanha nacional de conscientização, capacitando mais de 15 mil estabelecimentos em todo o país. O objetivo é orientar comerciantes, bares e restaurantes sobre práticas de identificação, compra segura e descarte correto das embalagens.
A associação também compartilhou com o portal CidadeMarketing dicas práticas para reconhecer um produto original, evitando riscos de intoxicação:
- Verifique se há alterações no rótulo ou erros de impressão;
- Observe se o volume da garrafa está irregular (muito cheio ou muito vazio);
- Cheque se o lacre de segurança está intacto;
- Compare a coloração do líquido com outras embalagens originais;
- Desconfie de preços muito abaixo do mercado;
- Sempre compre em estabelecimentos de confiança.
Uma cartilha educativa foi desenvolvida em parceria entre a ABRABE (Associação Brasileira de Bebidas), a ABBD (Associação Brasileira de Bebidas Destiladas) e a ABRASEL (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), intitulada “Combate ao Mercado Ilegal de Bebidas — Como Identificar e Obter Produtos Autênticos”.
Grupo Heineken e SindCerv: sem relação com cervejas
O Grupo Heineken, dono de marcas como Heineken, Amstel, Tiger e Baden Baden, informou que não está se posicionando oficialmente sobre o tema, recomendando que a imprensa procure o SindCerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja).
Pelas redes sociais, o SindCerv lamentou os casos recentes de intoxicação por metanol e reforçou que não há qualquer evidência de ligação entre os episódios e o consumo de cerveja. “Seguimos comprometidos com o bem-estar e a segurança dos nossos consumidores”, afirmou a entidade, citando também a posição do Ministério da Saúde, que não identificou qualquer caso relacionado ao consumo de cerveja.
Cia. Müller de Bebidas ainda não se manifestou
A Cia. Müller de Bebidas, fabricante de marcas como Cachaça 51, Reserva 51, Conhaque de Alcatrão, Vodka Polak e Terra Brazilis, não havia se manifestado até o fechamento desta reportagem sobre o caso das bebidas adulteradas e as medidas relacionadas à logística reversa de garrafas.
Origem do metanol ainda é incerta
Até o momento, não há confirmação oficial sobre a origem exata do metanol encontrado em bebidas falsificadas. Especialistas consideram duas hipóteses principais:
Contaminação acidental — proveniente de processos inadequados de lavagem e reutilização de garrafas;
Adulteração intencional, em que o metanol é misturado propositalmente para aumentar o volume do produto de forma ilegal e lucrativa.
Ainda não se sabe ao certo quais segmentos de bebidas foram mais afetados — se destilados artesanais, bebidas industrializadas ou produtos vendidos a granel em pontos de comércio informal ou mercado de luxo.
Sustentabilidade e segurança: o exemplo do chef Leo Paixão
O chef Leonardo Paixão, proprietário dos restaurantes Glouton, Nicolau Bar da Esquina, Ninita, Macaréu e Mina Jazz Bar, viralizou nas redes sociais ao mostrar sua máquina de trituração e reciclagem de garrafas.
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“É muito importante impedir que essas garrafas cheguem ao mercado quando vazias, evitando a falsificação e protegendo o meio ambiente com 100% de reciclagem do vidro”, publicou o chef e empreendedor em suas redes sociais.
A postagem recebeu grande engajamento e aprovação do público, reforçando o entendimento de que a responsabilidade pelo destino das embalagens deve ser compartilhada entre fabricantes, distribuidores e estabelecimentos.
A crise do metanol expõe um problema estrutural que vai muito além da adulteração: a necessidade urgente de fortalecer a logística reversa e a rastreabilidade das garrafas.
Enquanto as marcas reforçam seus protocolos de segurança e controle de origem, o mercado ilegal continua a desafiar autoridades e consumidores.
A solução passa pela educação do consumidor, rigor na fiscalização e cooperação entre indústria, governo e sociedade civil para preservar vidas e garantir a integridade do setor de bebidas no Brasil.