Durante os meses de junho e julho, o Nordeste brasileiro se transforma em palco de uma das maiores manifestações culturais do país: os festejos juninos. No entanto, quem percorre os arraiais nordestinos tem percebido uma mudança significativa nas atrações musicais. O forró — ritmo que traduz a alma do povo nordestino — tem perdido espaço para gêneros como sertanejo, arrocha, funk e pop. Uma tendência que preocupa especialistas e defensores da cultura popular, pois representa não apenas a mudança de gosto musical, mas também um enfraquecimento da identidade cultural da região.
Recentemente, um resgate da cultura nordestina foi protagonizado por João Gomes, Mestrinho e Jota.pê, que lançaram um álbum com releituras de músicas de Dominguinhos. O projeto teve como cenário as ruas históricas de Olinda (PE) e foi lançado no YouTube.
Do sertão para o mundo: as raízes do forró
O forró tradicional nasceu no coração do Nordeste, embalado pelos acordes da sanfona, da zabumba e do triângulo. Foi com esse som autêntico que artistas como Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Jackson do Pandeiro, Elba Ramalho e o Trio Nordestino conquistaram o Brasil. A música falava do sertão, da vida simples, do amor e da resistência do povo nordestino. Com o tempo, o forró se reinventou, ganhando versões mais modernas como o chamado “forró eletrônico”, popularizado por bandas como Calcinha Preta, Mastruz com Leite, Limão com Mel e Brasas do Forró. Mesmo com essas variações, o gênero manteve por décadas um papel de destaque nas festas juninas.
Forró rebaixado a coadjuvante
Atualmente, no entanto, esse protagonismo tem sido cada vez mais tímido. Nas grades de programação de diversos municípios nordestinos, o forró aparece como atração secundária ou limitada aos primeiros horários dos eventos, cedendo espaço para artistas do sertanejo, arrocha e até mesmo gêneros como funk e pop. Com cachês que ultrapassam centenas de milhares de reais, essas atrações dominam os palcos financiadas, muitas vezes, por recursos públicos. O paradoxo preocupa: enquanto hospitais enfrentam crises, escolas carecem de estrutura e a segurança pública é questionada, cifras milionárias são direcionadas a eventos festivos.
O papel das mídias digitais
Outro fator que contribui para o enfraquecimento do forró é a força das estratégias digitais. Gêneros como arrocha, funk, sertanejo e pop investem pesadamente em campanhas coletivas de divulgação em plataformas como Spotify, YouTube e TikTok. Artistas desses estilos dominam os algoritmos, impulsionam desafios virais e geram milhões de reproduções. Enquanto isso, muitos nomes do forró tradicional carecem de visibilidade online, dificultando sua inserção entre as novas gerações que consomem música quase exclusivamente pelas redes e plataformas digitais.
Entre resistência e esquecimento
O debate vai além da preferência musical: trata-se de identidade, pertencimento e valorização da cultura local. A substituição do forró por outros ritmos nas festas juninas não representa apenas uma tendência de mercado, mas sim um processo de apagamento cultural que pode ter consequências profundas para a história e a alma do Nordeste. “A gente vê o povo dançando sertanejo e arrocha em pleno São João como se fosse algo natural, mas esquecem que esse momento sempre foi do forró, da sanfona, do xote e do baião”, comenta um músico tradicional de forró em Aracaju (SE), cidade conhecida como uma das capitais do São João.
A sociedade civil, os gestores públicos e os próprios consumidores precisam refletir sobre o futuro da cultura regional. Preservar o forró é preservar uma herança que vai além da música — é proteger as raízes, as tradições e os símbolos que unem o povo nordestino. O investimento em artistas locais, em oficinas culturais, em formação de plateia e na promoção digital dos talentos do forró são passos urgentes para garantir que esse gênero continue a encantar as novas gerações.