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O mito do empreendedor-herói

Até pouco tempo atrás, a ideologia defendida pelos empreendedores ia contra todos os estudos de administração realizados até então.

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O fenômeno do crescimento da relevância das pequenas e médias empresas na economia brasileira nos últimos anos está causando um verdadeiro ‘boom’ do estudo do empreendedorismo, a exemplo do que aconteceu nos EUA após a recessão de 1975 que provocou uma reorganização nos mercados produtivos e financeiros do país, levando ao fechamento ou desmonte de grandes empresas em unidades menores e à migração da ênfase no setor produtivo para o setor de serviços. O volume de livros, palestras, centros de estudos, especialistas e discussões dedicados ao tema comprovam a evidência do assunto.

 

Talvez por este motivo tenha-se criado o mito do ‘empreendedor-herói’, aquele que veio para enfrentar as grandes corporações num ambiente empresarial extremamente volátil e hostil aos pequenos negócios, numa referência explicita à fábula de Davi e Golias, e que, com criatividade, determinação e flexibilidade, se tornou o grande gerador de empregos e salvador da economia. A visão de ‘herói’ faz muito sentido ao designar os empreendedores brasileiros, pois conseguiram sobrepujar as dificuldades de se iniciar um empreendimento próprio, sem o menor apoio ou incentivo, apenas com uma idéia na cabeça e muita disposição, tanto para aprender com a prática, como falhar e recomeçar do zero. É fácil rotular como ‘herói’ qualquer um que consiga lidar com falta de credibilidade, lutar contra a inércia do passado, ter paciência para enfrentar os entraves da burocracia de abrir uma empresa, obter recursos financeiros, trabalhar com o mínimo de infra-estrutura, depender de clientes e fornecedores e assumir riscos numa economia instável e volátil.

 

Ontem fui assistir um filme chamado ‘Gigantes de Ferro’ que mostra bem a alusão ao empreendedor-herói como o pequeno que ameaça os grandes, na figura do pequeno robô Atom, criado para servir como sparring em lutas de boxe entre robôs, em uma época que as lutas entre os seres humanos não só se tornaram perigosas como pouco atrativas. Atom, descoberto no lixo por um garoto, aprende a lutar com um verdadeiro boxeador e vai superando os demais robôs, todos maiores do que ele, até enfrentar o grande campeão Zeus que, embora vença por pontos, perde a popularidade para Atom. Este é o grande apelo do filme, o carisma natural que os pequenos bravos que enfrentam os grandes arrogantes atrai. São histórias que cativam, inspiram, emocionam. Queremos nos espelhar nestes exemplos e louvamos os que usam a inteligência, mais do que a força.

 

Até pouco tempo atrás, a ideologia defendida pelos empreendedores ia contra todos os estudos de administração realizados até então. O desvio da anti-administração foi defendido pela ilusão de que o empreendedor deve ser um artista, desligado das regras e convenções padronizadas desenvolvidas pela indústria acadêmica da administração. Seus instintos e habilidades pessoais devem ser suficientes para levar um empreendimento ao sucesso e as técnicas de administração só serviam para compensar a falta de competências naturais dos não-empreendedores. Este desvio ganha força com a falta de integração entre o empreendedor e a ordem organizacional no que diz respeito ao uso da criatividade e das idéias inovadoras. O empreendedor-herói personifica a imagem da liberdade, da coragem e da criatividade, valores que ganharam grande respaldo diante da visão negativa que ganharam as grandes corporações ao final da recessão americana de 1929.

 

Graças a esta imagem, o termo ‘empreendedorismo’ e derivados viraram sinônimo de virtude e vemos seu uso agora massificado e explorado indiscriminada e equivocadamente. Qualquer pessoa quer ser rotulada de ‘empreendedor’, para qualquer atividade e para qualquer tipo de projeto. Quando se trata de definir as características do empreendedor de sucesso torna-se evidente a tendência de se ‘endeusar’ a figura do empreendedor. De repente, todas as qualidades esperadas em qualquer tipo de profissional para qualquer atividade, em qualquer área, passaram a designar o perfil empreendedor: Comprometimento, criatividade, valores, habilidades específicas, conhecimento do negócio, princípios, atitudes positivas, reconhecimento de oportunidade, auto confiança, sabedoria, coragem para enfrentar desafios, perseverança e determinação, habilidades de relacionamento inter-pessoal, comunicabilidade, liderança, facilidade de trabalhar em equipe, auto-motivação, capacidade de tomar decisões rapidamente, pensamento crítico, visão estratégica, foco em resultados, planejamento, fome de aprender, familiaridade com o mundo dos negócios, ótima rede de contatos, flexibilidade à mudança e ambientes dinâmicos, capacidade de resolução de problemas e conflitos, visão sistêmica e holística, ousadia, receptividade a riscos, tolerância a erros e falhas, familiaridade com tecnologia, capacidade de realização, habilidades de negociação, integridade, honestidade, fortes princípios éticos, eloqüência, facilidade para absorção de novos conceitos, alta percepção do ambiente, retórica, agilidade e dinamismo, forte personalidade, firmeza de caráter, energia, facilidade para descobrir e desenvolver talentos, grande experiência, empatia, persuasão, organização, rapidez de raciocínio, auto-controle, sonhador realista, agressividade, independência, pragmatismo, entusiasmo, pró-atividade, iniciativa, forte presença pessoal, arrojo, faro para negócios, e por aí vai, indefinidamente, uma lista infindável de qualquer virtude que possa ser adicionada ao perfil empreendedor.

 

Obviamente não existe nenhuma pessoa que possua todas estas características. Resgate na memória todos os nomes que lembrar de empreendedores de sucesso e veja se eles possuem todas elas. Dificilmente a resposta será positiva. Nenhum empreendedor é completo. O que existe é uma pessoa dotada das características mais apropriadas para um determinado momento e lugar. O empreendedor surge num contexto situacional em que suas habilidades são evidenciadas de forma que as pessoas possam presenciar e associá-las à imagem do empreendedor. Sob esta visão, não há nenhuma restrição com relação à idade, sexo, origem social, geografia, educação, credo, cor ou etnia. Pode-se dizer que qualquer pessoa é um empreendedor em potencial, assim como qualquer pessoa pode passar sua vida inteira sem demonstrar suas características empreendedoras. Estudos nesta área não costumam gerar resultados palpáveis e conclusivos.

 

Ao analisarmos negócios de sucesso, podemos perfeitamente ser iludidos pela imagem do empreendedor-herói, mesmo porque a imagem que fica mais evidenciada é a do presidente da empresa ou de um dos sócios fundadores. Na verdade, o sucesso destas empresas se justifica quando todas as habilidades necessárias são reunidas em torno de um projeto de negócio através de uma equipe vencedora. Todo empreendedor precisa de pessoas a sua volta que o complementem, que cubram suas deficiências. Assim, qualquer projeto empreendedor exige a formação de uma equipe multidisciplinar e multifuncional que incorpore, no conjunto das características, todas as características necessárias para cada etapa do projeto.

 

Qualquer empreendimento de sucesso implica, assim, que o empreendedor deva, antes de qualquer coisa, conduzir um processo de auto-avaliação e auto-conhecimento profundo para identificar suas características empreendedoras, e então, com base nestas informações, buscar parcerias e associações com pessoas com características complementares na formação da equipe. O empreendedorismo assim, não pode ser, e dificilmente será, uma atividade solitária. O empreendedorismo só acontece em equipes, de forma coletiva e integrada.

 

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